"O brasileiro admira muito é quem soube se fazer na vida." (João Ubaldo Ribeiro, em sua crônica de ontem no jornal O GLOBO)
O que de excepcional teria feito o governo do sr. Luiz Inácio para chegar aos píncaros na bolsa da popularidade? Passei horas e horas tentando decifrar o verdadeiro enigma da pesquisa Datafolha que anuncia o sucesso sem precedentes do nosso presidente, brindado com 70% da aprovação popular, algo que nenhum antecessor sequer beirou desde a caricata "redemocratização".
E cheguei a uma conclusão patética, meio na linha do raciocínio do João Ubaldo Ribeiro, que dedicou sua crônica de ontem à "popularidade do homem": toda essa escalada vem do brilho de quem nada faz e é impulsionada pela imagem assustadora dos seus adversários.
É isso mesmo. O sistema bancou a desinformação do povo até obter o mais alto nível de despolitização, que se reflete na confirmação do congelamento crítico e da assimilação por exclusão.
Aos olhos do povo, inclusive agora da escolaridade razoável, Lula cresce na comparação. Ele seria melhor do que as velhas raposas que dominaram por décadas e, embora não faça nada diferente, antes pelo contrário, pelo menos é um dos "nossos", alguém que também já comeu do pão que o diabo amassou.
Vírus da despolitização
Com sua linguagem desabrida, o ex-metalúrgico está mil vezes mais próximo do cidadão inseguro do que autoridades arrogantes, como o ministro Gilmar Mendes, cabeça de um judiciário claudicante, que detém poderes inquestionáveis e assume posturas tenebrosas na explicitação de uma interpretação capciosa do direito.
Lula se converteu na referência palpável de uma democracia que hoje não tem motivo nenhum para comemorar o fim da ditadura, até porque os que agora atiram as pedras no regime militar juntam-se aos mesmos que dele se serviram para encher suas burras, colaborando da forma mais canalha sempre sob a proteção do manto da hipocrisia.
Para multiplicar o vírus despolitizante que o sistema inoculou no povo brasileiro nada como uma mídia mediocrizada até a medula. Nestes dias em que apenas 14% dos entrevistados afirmam estar bem informados sobre a crise internacional, os nossos bravos jornalistas dedicam boa parte de seu noticiário às disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, como se isso tivesse alguma importância para o cotidiano do cidadão habituado a só fechar as portas depois de arrombadas.
A supervalorização desse tipo de notícia serve tão-somente para sedimentar um clima de torcida, uma idéia marota e artificial de confrontos, produzindo efeitos diversionistas, deliberados ou decorrentes do despreparo e da pobreza intelectual dos escribas. Estes, aliás, não ficam muito atrás do populacho no besteirol que campeia glorioso nesse amesquinhado e amestrado país do faz de conta.
Resultado demolidor
O resultado dessa despolitização cultivada é demolidor: 70% dos brasileiros consideram o governo Lula ótimo ou bom. Nenhum presidente no Brasil desde a redemocratização atingiu esse patamar. O recorde anterior já pertencia ao próprio: 64% o avaliavam positivamente em setembro.
Ainda segundo a festejada pesquisa, divulgada paradoxalmente numa hora de estonteantes turbulências e terríveis prenúncios, Lula teve reforçado agora o apoio entre os mais jovens, os mais escolarizados e no Sudeste (todos, com mais nove pontos).
A melhora na avaliação se deu, principalmente, pela redução do percentual de brasileiros que consideram seu governo regular: eles caíram de 28% em setembro para 23% hoje. De 0 a 10, a nota média atribuída ao governo Lula também atingiu um recorde, chegando a 7,6, contra 7 em setembro.
Em outros tempos, para um governante merecer os aplausos de dois em cada três brasileiros, alguma coisa de inesquecível teria saído de sua lavra. Abro todo o espaço disponível para que você, caro leitor, diga o que tenha a dizer, mostre sinais de algo que se aproxime da retumbância refletida na tal pesquisa.
Esperança compensatória
Dir-se-ia que está na gênese do povo brasileiro a "esperança compensatória", isto é, quanto mais explícitos os maus presságios, mais acalentadores os sinais da reviravolta implícita.
É o que se pode deduzir dessa mesma pesquisa:
Apesar da gravidade da crise mundial e do prenúncio de seus reflexos no País, o brasileiro está otimista quanto a 2009. Segundo pesquisa realizada entre os dias 25 e 28 de novembro, 78% declaram que sua vida vai melhorar, enquanto apenas 3% afirmam que vai piorar no ano que vem. Para 14%, a vida pessoal permanecerá como está.
A aposta em um ano novo melhor em comparação a 2008 chega a 82% nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Essa expectativa é de 75% na região Sul e de 74% no Sudeste.
A pesquisa revela ainda que 78% dos entrevistados com renda de dois a cinco salários mínimos mensais acreditam que sua vida vai melhorar em 2009. Essa taxa é de 77% entre aqueles com faixa mensal de cinco a dez mínimos.
O otimismo é maior - 83% - entre os entrevistados de 16 a 24 anos e cai a 62% entre aqueles com mais de 60 anos.
Segundo o Datafolha, a vida do Brasil vai melhorar na opinião de 66% dos entrevistados com nível de escolaridade fundamental. Essa expectativa é de 65% entre aqueles com nível médio de ensino. Mas cai 11 pontos - para 54% - entre os brasileiros com nível superior.
Otimismo de causar espanto
A pesquisa mostra ainda que 60% dos brasileiros acreditam que sua situação econômica vai melhorar nos próximos meses. Há um ano, no fim de novembro de 2007, em plena euforia da economia, esse índice era de 54%. No fim de março deste ano, era 53%. Em oito meses, a taxa dos que acreditam numa situação econômica melhor subiu sete pontos.
Finalmente, para 67% dos entrevistados o Brasil está melhor desde a eleição de Lula. Esse índice chega a 78% no Nordeste e a 71% nas regiões Norte e Centro-Oeste. No Sudeste, é de 62%, sendo de 57% no Sul.
Segundo a pesquisa, o País está igual para 24% e piorou na opinião de 6% dos brasileiros. Os números da pesquisas continuam a me confundir, apesar de considerar a época em que foi feita, às portas do período de mais alto consumo no País.
Mas a exposição a céu aberto dessa carrada de satisfeitos, conformados e tendentes ao triunfo do "me engana que eu gosto" continua sem uma explicação lógica. Ninguém questiona nada, como se tal postura fosse favorecer os adversários do "nosso parceiro".
coluna@pedroporfirio.com
Da Tribuna da Imprensa
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